A Pescaria


Tomaz Fantin

— Mãe, um tem o Inter, outro tem o Grêmio, tem gente que até o Palmeiras, e eu?
— Nada de gastar com bobagens — disse a mãe pintando manchas vermelhas nas bochechas de Marquinhos.
— Mas, mamãezinha...eu vi o Botafogo lá no Bolicho do Tibica.
— Fui no Bolicho do Tibica hoje e já venderam o Botafogo.
Vestiu uma camisa xadrez e colocou um chapéu de palha na cabeça do filho, que permanecia de olhos baixos:
— Vai ser o caipirinha mais lindo da festa!
Marquinhos e a mãe saíram de casa de mãos dadas. Ela levava sacolas, bolsas e bandeirolas. Marquinhos chutava pedras. Os guris da rua já tinham vários times. Ele nenhum.
Olhava para a maquiagem e a camisa quadriculada, mas só pensava no Botafogo. Na escola tinha cheiro de pipoca, amendoim, cachorro quente. Uma fogueira de papel no meio do pátio, barraquinhas:
— Toma dez reais caso eles te coloquem na cadeia.
Colocou a nota na mão do menino e seguiu para a barraca da pescaria, que estava sob a responsabilidade do conselho de pais e mestres, presidido pela mãe de Marquinhos. Fernanda, a mais linda, passou vestida de noiva. Ele caminhava por entre as barracas. Comprou um guaraná e um cachorro quente.
Depois foi até a pescaria, pediu uma ficha com os dois reais que sobraram e viu, na prateleira onde estavam os prêmios: o Botafogo. Numa caixinha de papelão, os botões brancos e o adesivo da Estrela Solitária. Uma foto do Túlio Maravilha com a camisa sete, a mesma que Marquinhos jogava no time da escola.
Concentrou-se. Com a varinha de plástico olhou para os dez peixinhos dispostos numa piscina de mil litros cheia de serragem. O vermelho? O azul? A mãe de Marquinhos olhava de longe, cobrando as fichas das pessoas da fila.
Ele tremia com a vara na mão. Respirou, colocou o anzol na parte arredondada da cabeça do peixe azul e puxou. Coração aos pulos.
A mãe pegou o peixinho pescado, olhou o número. Sete! O mesmo do Túlio, do Garrincha e do Marquinhos, só podia ser o Botafogo. Foi até o local onde estavam guardados os prêmios e trouxe uma boneca Barbie.
Marquinhos sentou-se em uma cadeira próxima da barraca e ficou a olhar as pessoas pescando. Com os ombros caídos, namorava o Botafogo lá na prateleira. Nisso, Fernanda, a noiva, comprou uma fichinha:
— Vou pescar uma boneca bem bonita antes do casamento caipira.
Fernanda pescou o primeiro peixe que viu. O vermelho. Número treze. Treze! O número do azar. A menina recebeu o prêmio. Era o Botafogo. Ficou vermelha arqueando as sobrancelhas:
— Um time de futebol de botão?
Marquinhos caminhou até a coleguinha. A noiva o olhava com desprezo:
— Tu quer trocar o Botafogo pela Barbie? — Gaguejava e suava por dentro da camisa xadrez.
— Botafogo?
— O time de botão que tu acabou de pescar — apontou para a mão dela.
A garota aceitou na hora. Saltitando para o camarim com sua nova boneca. Marquinhos, paralisado, olhava para aquela caixinha de papelão.
Na hora de encenação do casamento caipira, Marquinhos foi preso na cadeia do Arraiá. Sem um pila no bolso, teve que esperar o fim da festa para que sua mãe pagasse a fiança.
Na saída da escola, Marquinhos escutava das ruas, das casas e do Bolicho do Tibica as pessoas cantando:
— E hás de ser, nosso imenso prazer, tradições, aos milhões tens também, tu és o Glorioso, não podes perder, perder pra ninguém

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Tomaz Fantin

E-mail: tomazfs@yahoo.com.br

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